A escultura animalista, que no Séc. XIX um artista de gênio como Barye elevara à condição de grande arte, entre nós brasileiros não teria tido escultores, não fora João Turin. De fato, esse escultor paranaense, a despeito do muito que produziu em quase cinquenta anos de trabalho, destacou-se acima de tudo pelas onças, tigres, leões, tapires, cobras, cães e outros animais, ferozes ou domésticos, que imortalizou no bronze, representados ora em repouso, ora em acirrados combates, sempre com agudo senso de observação, e assumindo evidentes conotações simbólicas.

“Não realizei tudo o que desejava o meu sonho de artista. Era grande demais para as minhas forças e pelas pedras que encontrei no caminho. Fiz o que pude com os meios que tive.”

          Nascido em Porto de Cima, um lugarejo de Morretes, no litoral do Estado, filho de imigrantes italianos, João Turin descobriu a escultura menino ainda, de modo singular: recobria pernas, tronco e braços com argila, deixava-a secar e depois a removia, para brincar com os moldes do próprio corpo assim obtidos. Aos nove anos mudou-se com os pais para Curitiba, onde seria sucessivamente ferreiro, marceneiro e torneiro antes de descobrir a verdadeira vocação. Nos primos anos do Séc. XX, depois de ter sido seminarista e de freqüentar a Escola de Artes e Indústrias de Mariano de Lima, Turin era presença constante nas passeatas de intelectuais e operários que, inspiradas na utopia anarco-socialista de Giovanni Rossi na Colônia Cecília, de tempos em tempos sacudiam as ruas da pacata capital; mas essa experiência de agitador social na mocidade não teve desdobramentos futuros.

          Em 1905, com bolsa de estudos do Governo do Paraná, João Turin parte para Bruxelas e se matricula na Real Academia de Belas Artes, onde já se encontra o amigo Zaco Paraná, passando a estudar com o mesmo professor deste, o famoso Pierre-Charles Van der Stappen, vulto proeminente dos grupos de vanguarda belgas Lês Vingt e Libre Esthétique. A opção de um e outro escultores por Bruxelas, destino pouco usual para artistas brasileiros, não foi casual: deveu-se aos engenheiros belgas que trabalhavam na ferrovia do Estado, como François Gheur e Alphonse Solheid, os quais viram, nos dois adolescentes, o estofo de futuros artistas. Depois de deixar a Real Academia, em 1909, Turin ainda permaneceu cerca de dois anos em Bruxelas, além de visitar a Itália, Holanda, Espanha e Portugal, até se transferir a Paris em fins de 1911. Na capital francesa, onde viveu os próximos dez anos, expôs algumas vezes no Salom des Artistes Français, tendo obtido, no ano de 1912, menção honrosa, com “Exílio”. Mas eram tempos de guerra, e fora uma ou outra comissão – como a que se lhe apresentou em 1917, para executar um relevo em pedra destinado a uma igreja de Loireau, na Normandia – não havia clientes nem encomendas, muito menos para artistas estrangeiros. Não é de estranhar assim que pouco se saiba dos duros anos parisienses de Turin, durante os quais conheceu contudo Rodin, Modigliani, Isadora Duncan, Claude Debussy (de quem fez a efígie em baixo-relevo) e outras personalidades.

         Em fins de 1922 o artista retorna ao Brasil e de novo se fixa em Curitiba. Deixara em Montparnasse, no ateliê da Rue Vercingentorix cedido a Brecheret, boa qualidade de obras, pois sua intenção, que nunca se concretizou, era voltar a Paris o mais breve possível. Integrado em definitivo ao discreto ambiente artístico-cultural da capital paranaense, João Turin doravante produzirá grande número de monumentos, estátuas, bustos, relevos e inclusive pinturas, cerâmicas e ilustrações, detacando-se entre os monumentos os dedicados a Gomes Carneiro (1927, Lapa), Rui Barbosa (1936, Praça Santos Andrade) e à República (1938, Praça Tiradentes), os dois últimos em Curitiba. Seria ainda um dos idealizadores em 1923, junto aos pintores João Ghelfi e Lange de Morretes, do chamado estilo paranista de ornamentação arquitetônica, baseado na estilização do pinheiro e de outros elementos da fauna e da flora paranaenses e concretizado em capitéis, ânforas, floreiras e outros objetos utilitários.

     Marcado durante os anos de formação e aperfeiçoamento, em Curitiba e Bruxelas, por influências simbolistas, pelo Art Nouveau e o Art Déco, movido pela admiração a escultores como Barye, Meunier, Minne, Rodin, Bourdelle e Maillol, João Turin permaneceu impermeável, e mais que isso, hostil à renovação estética ocorrida já nos anos iniciais do século XX. O que de melhor produziu não são os monumentos, bustos e retratos, convencionais por sua própria natureza, mas as numerosas representações de animais, boa parte delas conservada na Casa João Turin em Curitiba, nas quais, a despeito da fidelidade anatômica e das proporções corretas (o que nem sempre se observa quando trata a figura humana), não é tanto o animal em si que importa, mas sim o que simboliza, tanto que para representar o Marumbi, maciço da Serra do Mar localizado próximo à cidade natal, não encontrou forma melhor que a de dois tigres em furioso embate, magníficos de força, agilidade e beleza.

Por José Roberto Teixeira Leite – autor do livro “João Turin – Vida, Obra, Arte”

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